Ao fechar este ciclo de comemorações que relembram o homem e a obra de Mons. Nunes Pereira, aqui fica “in memoriam” o registo de um conto de Fajão. Os Contos de Fajão, colectânea de contos recolhidos por Mons. Nunes Pereira e editados pela Junta de Freguesia de Fajão, são uma obra emblemática da tradição oral desta freguesia beirã. Acresce ainda a excelente ilustração que acompanha esta edição, “enriquecida pela introdução de reproduções de xilogravuras expressamente executadas por Mons. Nunes Pereira para ilustrar a temática de cada um dos contos”.
Por outro lado enquadra-se perfeitamente nesta época carnavalesca o conto que se transcreve.
Estava a decorrer um julgamento no tribunal de Fajão, e a certa altura uma testemunha fez o seu depoimento e rematou: Isto é que é a verdade.
O Juiz, ao ouvir falar em verdade, perguntou ao Delegado e ao Escrivão o que era aquilo, a verdade. Afinal, ninguém ali sabia o que era: só sabiam que era uma coisa que vinha de Coimbra.
Então encarregaram o oficial de diligências de ir a Coimbra buscar a verdade.
Ele foi, levou um grande pote para trazer cheio de verdade, e quando chegou à entrada de Coimbra, ali por alturas do Calhabé, perguntou onde era a Universidade, pois lhe pareceu que na Universidade é que encontraria verdade com fartura.
Calhou passarem por ali uns estudantes, e ao verem aquele serrano de carapuça e tamancos abertos, vestido de burel, a perguntar onde era a Universidade, para lá ir buscar a verdade, logo acudiram dizendo: Deixe cá isso connosco, e amanhã às tantas horas esteja aqui, que nós trazemos o pote cheio de verdade.
O homem concordou e entregou-lhes o pote.
Dali os estudantes foram para a sua «República», e nessa noite todos «fizeram» para dentro do pote. Depois puseram-lhe um pano na boca e amarraram-no muito bem, e no dia seguinte, de manhã, lá estavam no sítio combinado, com o pote da verdade.
«Aqui está o pote cheio de verdade. O senhor leve-o com muito cuidado, e não o abra nem o deixe abrir senão quando chegar a Fajão, e diante do Sr. Juiz e das autoridades da vila, porque a verdade é uma coisa muito fina, evapora-se com muita facilidade».
O oficial de diligências, todo satisfeito, lá foi para Fajão com o pote da verdade.
Chegado a Fajão, dirigiu-se à Praça, em frente da Câmara. Logo constou que tinha chegado a verdade, e todos se juntaram: o Juiz, o Pascoal, o Escrivão e as demais autoridades. Diante de todos foi destapado o pote, colocado em cima de um poial, e o Juiz foi o primeiro a cheirar. — «Parece que é merda!...», disse ele. E o oficial de diligências respondeu: — «É verdade!» Seguidamente todos cheiravam, e todos diziam: «Realmente parece que é merda». Mas o homem respondia sempre: — «É verdade!»